João
Gilberto Noll é um escritor em cujo texto sentimos a pura
intensidade do ato de escrever. Seu texto, longe de ser torrencial,
foge incessantemente da apreensão do leitor, desenhando formas no
imaginário que não passam de linhas soltas, imagens cambiantes e
livres. Essa liberdade da sua escritura se perfaz na afirmação, única
e exclusiva, de um desejo de narrar. Seu texto sofre de uma espécie
de instabilidade programática que desencadeia fluxos narrativos em
tempo real, poderíamos dizer. Não o tempo da narrativa, mas o
tempo da leitura, o tempo do ato de ler, no qual o leitor é
enredado numa estranha malha de sentidos instáveis e cambiantes.
Sua instabilidade não decorre nada mais do que de um recurso
empregado de longa data na literatura, mas do qual Noll se apropria
com uma perícia e vigor provocantes: a narração em primeira
pessoa. É nos ininterruptos câmbios subjetivos dos seu narradores
que o desejo mostra sua face de liberdade afirmativa. A escritura de
João Gilberto Noll engendra uma narração desejante, uma máquina
de produção de sentidos múltiplos que explodem em parágrafos elípticos
e sem pontos, encadeando forças significadoras suspensas
temporariamente apenas por vírgulas, ou então se insinua em saltos
espaço-temporais do narrado, saltos localizados nos signos
impressos na página do livro, transformando o, até então,
"fora do texto" em "dentro". Factualização do
que estava, antes, apenas sugerido.
Sandro
Ornellas
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